Largo da Forca


Quando andares ali pelas proximidades do Museu do Trabalho na Volta do Gasômetro, no início da Rua da Praia (hoje Rua dos Andradas), vais encontrar uma praça com grandes árvores e uma estátua no centro. A estátua é de um militar empunhando a espada num gesto de quem comanda um ataque. Trata-se de uma homenagem ao brigadeiro Antônio de Sampaio, um cearense que lutou bravamente na Guerra do Paraguai. A praça tem hoje o seu nome: Praça Brigadeiro Sampaio, mas ela já teve outros nomes na sua longa história pontilhada de tristezas, alegrias, esplendor e abandono.

Por volta de 1752, quando os casais de açorianos aqui chegaram, o local onde hoje está a Praça Brigadeiro Sampaio, foi o primeiro cemitério de Porto Alegre. Era uma região deserta, afastada do centro da povoação que começava a nascer. As pessoas só se aventuravam a chegar até ali quando havia algum enterro, ou então no dia de finados. O local era evitado pelos mais supersticiosos. Diziam que as almas penadas rondavam entre as árvores pedindo orações.

E assim foi ao longo de 20 anos, até que em 1772 o Governador José Marcelino de Figueiredo mudou a capital de Viamão para Porto Alegre. A região do antigo cemitério foi reabilitada. Marcelino ali instalou o Palácio do Governo, a Câmara de Vereadores e a cadeia. E foi morar numa casa ao lado do Palácio, bem defronte ao matagal por onde andariam rondando as almas penadas.

O local foi se tornando cada vez mais movimentado. O Governador mandou então limpar o matagal, surgindo ali uma praça ainda sem nome. Uma espécie de ponto de descanso. As pessoas que iam tratar assuntos com o Governador ou com os vereadores encontravam abrigo à sombra das árvores num terreno limpo. Não havia mais notícias de almas penadas. Mas isso foi por pouco tempo. Uma nova legião de fantasmas logo estaria assombrando aquele local.

Naquele tempo havia pena de morte no Brasil. Morte por enforcamento. E aí ocorreu em Porto Alegre a primeira condenação à forca. O preto Luis, escravo de Antônio Francisco Pereira Jardim, seria executado. Mas ainda não existia uma forca na vila. Assim, o juiz Vicente Ferreira Gomes enviou um ofício à Câmara de Vereadores solicitando que fosse providenciada uma forca para que se cumprisse a sentença com a maior brevidade.

Como era a primeira vez que aquilo acontecia, a Câmara decidiu enviar uma cópia do ofício ao Governador pedindo instruções. A Câmara não encontrava amparo legal no seu Regimento para a instalação da forca. O Governador então ordenou que a Câmara mandasse levantar a forca o quanto antes, no lugar que julgasse mais conveniente.

Após vistoriar alguns locais, os vereadores decidiram erguer a forca na Ponta das Pedras, onde hoje fica uma parte da Praça Brigadeiro Sampaio. O local ganhou então o nome de Largo da Forca. Foi seu primeiro nome.

Depois da execução do preto Luis, outros condenados foram ali enforcados. Entre eles um negro chamado Lucas. Quando ele foi empurrado pelo carrasco, a corda rebentou. Aquilo foi interpretado como um sinal de inocência. E logo um irmão da Santa Casa cobriu o negro Lucas com a Bandeira da Misericórdia. De acordo com os costumes da época, ele deveria ser perdoado. A corda rebentada era um aviso da justiça divina à justiça dos homens. Mas o juiz que comandava a execução resolveu não respeitar o costume, nem ligar para a justiça divina. E ordenou o enforcamento. A partir daí, os mais supersticiosos passaram a evitar aquele local, pois os fantasmas e as almas penadas estavam de volta, pedindo orações, ameaçando com vinganças ou então chorando e jurando inocência.

O terreno era coberto de vegetação rasteira, largado ao abandono. Nem mesmo a armação da forca se via naquele local. Ela era retirada depois de cada execução, para não chocar as pessoas de bem com a imagem ameaçadora.

O Largo da Forca só recebia cuidados da Câmara quando alguém estava prestes a ser executado. A praça era então capinada. Erguia-se a forca. Abriam-se os acessos para que o povo pudesse presenciar o suplício do condenado. Terminada a execução, o local voltava a ser um terreno baldio, mal cuidado, temido e amaldiçoado.

Mais tarde, uma parte do terreno foi ocupado pelo prédio do Arsenal da Marinha e o Largo da Forca passou a chamar-se, oficialmente, de Praça do Arsenal. Era uma forma de apagar a triste memória que rondava o local.

Em 1860 a forca foi extinta em Porto Alegre e a então Praça do Arsenal ganhou um novo nome, dado espontaneamente pelo povo e passou a chamar-se Praça da Harmonia, celebrando o fim da pena de morte. Apesar de ter ganho um novo nome, o local continuou sendo um terreno baldio e mal cuidado onde pequenos casebres serviam de moradia às pessoas mais pobres da cidade.

Em 1865, o vereador José Martins de Lima assumiu com o povo o compromisso de reabilitar a praça. Começou com uma nova arborização, mandando plantar 94 árvores. Ao cabo de um ano a praça já apresentava novo aspecto. O coreto do tempo do Governador Ângelo Ferraz foi reconstruído e uma novidade incorporou-se aos novos divertimentos. Um ringue de patinação, onde rapazes e moças deslizavam mostrando suas habilidades e, no dizer de um cronista da época “aproveitando” os tombos para iniciar um namoro. As quedas eram pretextos para pegar na mão das mocinhas e ajuda-las a levantar-se.

Ao lado do ringue de patinação foi instalado um quiosque onde se bebia um chope geladinho, acompanhado de saborosos petiscos. Foi a época de ouro da Praça da Harmonia, reunindo ali, democraticamente, ricos, pobres e remediados. Era o ponto chique de Porto Alegre, um local de encontros e bate-papos nos tranqüilos fins-de-tarde, apreciando o pôr-do-sol do Guaíba.

Quando o vereador José Martins de Lima faleceu, a Câmara decidiu mudar o nome da Praça da Harmonia que passou então a chamar-se Praça Martins de Lima, em homenagem àquele que tinha conseguido dar ao local o tratamento que merecia. O povo, entretanto, continuou chamando de Praça da Harmonia.

Em 1965 diante de tanta insistência com o antigo nome, levantou-se na imprensa e na Câmara de Vereadores, um forte movimento para que o nome dado espontaneamente pelo povo, fosse consagrado oficialmente. Assim, por uma lei votada em julho de 1965, foi oficializado o nome de Praça da Harmonia.

Apesar dos apelos do povo e do reconhecimento dos vereadores, dez anos depois a praça mudou de nome mais uma vez. Hoje ela é conhecida como Praça Brigadeiro Sampaio, em homenagem ao cearense Antônio Sampaio, que lutou bravamente na Guerra do Paraguai.


Foto: Praça da Harmonia em 1894. Acervo Museu da UFRGS
Fonte: Terra, Eloy. As Ruas de Porto Alegre. AGE. 2001

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